A menina ganhou a boneca. Não uma qualquer, mas aquela que ela tanto havia pedido. Seu novo mimo tinha pele clara, cabelo ondulado tão escuro quanto os olhos, negros pontos a fitar o vazio. Era seu último brinquedo, ela decidira meses antes quando iniciou o trabalho de procura em busca do derradeiro capricho infantil. Reconheceu o alvo dias antes indo para a casa dos avós. Ela sabia que muito provavelmente não chegaria a brincar com o novo passatempo, ainda assim merecia seu último presente. Suas amigas já não tinham nada mais que lembrasse a infância, elas diziam que eram “coisas de criança”. O fato desconhecido era que todas ainda brincavam às escondidas no segredo do quarto; um sentimento de culpa da maturidade adquirida.
Naquele dia ensolarado de primavera ela atravessou a rua em busca da casa dos avós. Na mão um caderno de estudos que havia ganhado semanas antes, no olhar a fascinação da criança-estátua tão perfeita. Entrou na loja ainda a fita-la, o vendedor perguntou:
- Posso ajudar pequena?
Pequena? Aquela palavra a feriu. Será que ele não havia notado seu completo crescimento? Pequena! Quer dizer que ela ainda tinha o direito do brinquedo sem culpa. Felicidade.
O vendedor apático permanece observando o encanto da menina. Vendo que sobrava na cena, decidiu se retirar com a usual frase de que mesmo ausente poderia ajudar:
- Se precisar de algo estou logo ali.
Ela precisava, nada que no momento pudesse ser ajudado. Pegou o brinquedo com as mão incertas, trêmulas de emoção e decidiu ali seu nome, Lina, lembrava linda, combinava. Em seu colo ninava e acariciava aquele ser estático. Abraçou, beijou e jurou por um instante sentir o calor do objeto em seus braços. Tão pequenina e indefesa pensava enquanto instintivamente examinava cada parte da boneca, como se estivesse cuidando da saúde dela.
Tornou a guarda-la, não no lugar que havia tirado. Era medrosa, temia que outra criança a levasse; era única e sua. O pedido há tempos já estava formulado para seus pais. Escondeu-a atrás de todas as outras comuns, nenhuma parte do corpo a vista, uma prisão.
Saiu da loja mais feliz e segura com a culpa de ainda ser pequena já completamente esquecida. Assumiria sua infância até seu aniversário, faltava um mês.
...
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quinta-feira, 16 de setembro de 2010
China:
- Iza Possatto
- Eu posso ser o que quiser; sou artista! Estudante, bailarina que criou este blog na tentativa de escrever e visualizar mudanças em seu texto com o tempo. Não quero limitar minha escrita aqui, apenas desejo encontrar uma ou várias formas de escrita e identidade.
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